domingo, 31 de janeiro de 2010

O que está escrito ali ???


Durante uma aula muito interessante de como deveríamos tocar a bela sonata de Mozart KV 332, uma garota insistia em colocar "staccatos" em notas onde nao haviam. Indagada sobre o fato, ela explicou que era um "vício" que tinha adquirido quando na leitura da peça esses staccatos lá estavam. Indagada novamente sobre qual edição ela tinha estudado, então que respondeu: Hummm, sabe que nem sei!!! Pois bem, isso aconteceu durante o Festival Internacional Música nas Montanhas em Poços de Caldas, na aula do grande pianista e professor Gilberto Tinetti. A questão de edições já é antiga, e nos conservatórios por aí muito pouco respeitada.
A diferença de uma boa edição para uma outra qualquer, não está relacionada somente a articulações, fraseados, marcações de pedal, de andamento, de dinâmica.....mas como já presenciei( é raro mas acontece) de ter até notas trocadas......
Imaginem num texto, onde UMA vírgula é essencial para modificar a compreensão do mesmo:

O homem livre por natureza tem direitos inalienáveis.

O homem, livre por natureza, tem direitos inalienáveis.

Na primeira frase, supõe-se que apenas alguns homens, os livres por natureza, tem direitos inalienáveis. Na segunda frase, supõe-se que todos os homens são livres por natureza.

Então! Na música é exatamente igual, levando em consideração que a música também é uma linguagem, certo!?

A questão interpretativa é um caso a parte. Cada um é cada um, mas que a princípio deve RESPEITAR as indicações do texto. E é aí que mora o perigo......essas benditas indicações. Devemos acreditar em tudo que lemos??? Sim, se a edição for respeitável. Como fazer tal fraseado? A princípio como está escrito! Como deve soar isso ou aquilo?.......Como você entende que deve ser! Sempre partindo da idéia que devemos interpretar de acordo com a nossa visão sem modificar o sentido original do texto, o que o compositor pensou. Na verdade quando falamos de interpretação, isso gera uma série de convicções e blá, blá, blá....idéia para um outro post ainda mais complicado......rs

Estava conversando com um amigo via MSN há muito tempo atrás, e ele estava fazendo um trabalho sobre edições. Na época ele morava no EUA e enquanto falava comigo tinha a sua frente várias cópias de manuscritos das sonatas de Beethoven junto com várias partituras já editadas, e e ele comentava como nenhuma delas era fiel ao texto do compositor, e como era ilegível certas coisas, o que provavelmente causara muita confusão por parte dos copistas da época e estudiosos de hoje em dia. Li numa biografia de Chopin que ele gostava de mudar suas peças até mesmo depois de já editadas, e que seu célebre noturno Op. 9 Nº 2 teria sido modificado com a inclusão de vários ornamentos depois que já estava circulando por aí (isso para que dificultasse sua execução) , já que muita gente na época estava tocando-o, e sei lá porque, isso não agradou Chopin.




Sonata BWV 1001 de Bach para violino solo



O fato é que algumas dessas edições são extremamente confiáveis, a maior delas é a edição URTEXT ( que significa "texto original") ou seja , não passou na mão de revisores, que é quem adicionam ligaduras, staccatos e tantas outras infindáveis maneiras de executar, de acordo com que eles acham que devem ser. Essa traduz o texto com total fidelidade, e quando alguma coisa não condiz com o original eles te explicam o "porque" da mudança. Sua especialidade são as obras de Bach (que diga-se, não costumava indicar andamentos, sinais de dinâmica, articulações e por aí vai), Mozart, Beethoven entre outras, se bem que até a Bíblia traduzida para a língua Zulu seria confiável se houvesse uma edição Urtext pra isso....rs
A edição Paderewski para Chopin, assim como as edições do Cortot também são boas. As edições Schirmer's também são confiáveis para Schubert, ou Mozart, etc.......A Urtext tem uma versão vienense de capa vermelha que é muito legal também. Ou seja, opções nós temos, o que nos falta na maioria das vezes é dinheiro....hahaha ...... já que não é barato comprar partituras.
Algumas pessoas não fazem questão dessa partitura ou aquela, confesso que por falta de opções de nossas bibliotecas as vezes acaba sendo assim mesmo, mas por falta de opções!!!
O ideal é que sempre que possível, a partitura deve ser de confiança para que possamos tocar o que o compositor escreveu e não o que o revisor acha que deve ser.
Abraço e bons estudos!

7 comentários:

  1. Puxa cara, esse problema, como é de linguagem, se estende a tudo que diz respeito a linguagem mesmo: música, diálogo, pensamento, tudo mesmo!

    Um dos maiores problemas da linguagem é exatamente o fato de existirem tantas, e cada uma delas estarem repletas de subjetivismo, quer dizer, uma palavra só pode ter vários significados em cada tempo/espaço. E não apenas isso, cada palavra pode significar determinada coisa para cada pessoa.

    Estou tentando fazer uma relação de música e linguagem. Tem um livro, do Schopenhauer, "A arte de escrever", que fala sobre o perigo de se traduzir um texto, exatamente por que há conceitos e signos em determinado sistema de linguagem que não há em outro, ou seja: como traduzir exatamente aquilo que o autor quis escrever com um determinado conceito que só há na língua nativa dele?

    Temos sorte de que a música esteja tão inteiramente ligada à matemática, e por isso a linguagem teórica, técnica da música (a parte técnica mesmo) pode ser (com um pézinho atrás, sempre!) de universal, por que é quase como uma ciência. Quer dizer, um stacatto é um stactto aqui e na china (pelo menos onde se aceita os padrões convencionais da música.

    O problema é que, enquanto, arte, a música é totalmente subjetiva, diz respeito a um eu, a um ponto de vista único! O músico faz o som ocorrer no espaço (o movimento teve início no músico, que é sujeito), o som é objetivo, mas não fica flutuando no ar apenas, ele atinge o ouvido de outro sujeito e lá deixa uma marca, um sinal, que vai ser abarcado subjetivamente. To divagando demais? rs

    Acho que essa questão que você colocou aqui se torna mais séria ainda exatamente por causa da questão dos terceiros. Um compositor cria uma obra musical, cria um texto, cria uma "história", constrói frases... tudo diz respeito ao que lhe rodeia, que lhe é peculiar a si. E depois de edições e reedições, a qualidade original da obra fica vulnerável.

    Ah, é isso! cansei! fui!

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  2. Grande Daniel, obrigado pelo comentário!
    Quando falamos em interpretar, como disse no post, o buraco é mais embaixo. Pois para saber exatamente o que o compositor pensou,ou pior, sentiu.....somente num centro espírita! rsss Embora muitas obras literárias, como biografias nos ajudem a entender melhor certas obras e conhecer os "Porques". O subjetivismo na música é algo complicado, como vc disse, diz respeito a um eu,e sempre vai ter um "eu" que dirá que "eu" faria isso assim ou assado...se ouvirmos os próprios compositores tocando sua obra, ou regendo-as, perceberá como é diferente de clássicas gravações que existem por aí.
    Com relação as edições. Imagine mesmo, depois de 200 anos uma obra que foi revista e revista, e "corrigida", sujeita a tantos "EUS" se nao perderia a qualidade original, por isso a importância de escolher uma boa e fiel partitura. Se uma simples partitura de 150 ou 200 anos ja gera essa confusão, imagine pergaminhos, pinturas em cavernas e até mesmo a Bíblia!!!!! hahaha
    Abração e valeu!!!!

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  3. é centros espíritas não resolveriam o problema. rs!

    meu problema é mesmo sobre as edições... tentar achar aquilo que mais chega perto do original!

    desculpe eu escrever um livro no seu blog, é culpa das férias!


    daniel alabarce

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  4. Falando em staccato, Claudio Richerme conta que uma determinada professora (não me lembro o nome) achava muito engraçado aqueles staccatos exagerados que os alunos faziam ao executar Bach, Mozart ,Beethoven etc. Ela perguntava aos alunos:Vc está tocando numa chapa quente?(e é claro, acredito eu, acompanhado daquele sorrizinho de canto de boca).
    Bração.

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  5. Imagina Daniel!! o espaço é nosso, pode escrever o que quiser e o quanto quiser! Só não vale botar a mãe no meio!! hahahaha Mas a Urtext ainda é disparada a melhor! Pode confiar.
    Abraço

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  6. HAhahahah imagina se não, da pra visualizar certinho a feição sarcástica da professora!! hahaha
    Abração

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  7. Olá Rodrigo... encontrei o seu blog através de uma pesquisa no google por partituras dos improvisos de Schubert op.90 e op.142 com edição urtex... precisava também de partituras assim dos Étude Tableaux de Rachimaninoff. Como vc, eu também sou musicista e sinto na pele essa dificuldade ( principalmente pelo preço )de ter partituras de boas edições, mas ao contrário dos que não se importam com esse tipo de coisas, eu me importo e muito! Se vc por acaso souber onde encontro as partituras que preciso, te peço por favor que entre em contato comigo, pode ser? Pode ser através do meu blog ou do meu email... Deixo o meu email aqui: csmfrs@gmail.com . Ah e parabéns pelo blog e pelo texto instrutivo, gostei muito daqui. Um beijo, Milene.

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